domingo, 17 de abril de 2016

NOVA LAMEGO/BURUNTUMA (CART 1742) - 01 - História da Companhia


Agradecemos a gentileza de ABEL SANTOS (ex-soldado Atirador da Cart 1742 - "Os Panteras", - Nova Lamego e Buruntuma 1967/1969), assim como ao Blogue de Luis Graça, a possibilidade de contar a História da Cart 1742 que foi elaborada por Alberto Alves, um dos Panteras, em Maio de 2007, para ser distribuída pelos camaradas presentes num dos Encontros desta Unidade.


Para nós administradores do Blogue do Bart 2857, que esteve no Sector Leste L-4, com sede em Piche de Novembro de 1968 a Outubro de 1970, é uma honra.

Assim que tomamos a responsabilidade do sector e nos instalamos, esta Companhia, sediada em Buruntuma, passou a ficar sob a responsabilidade operacional deste Batalhão.


Um dos dos objectivos deste Blogue é, não só, contar toda a actividade operacional, nesse período deste Batalhão, assim como de todas as Companhia Independentes ou unidades de Intervenção que connosco conviveu e nos ajudou a controlar o Sector em termos operacionais.


Além do mais, procuramos relatar a operacionalidade de todas as outras Unidades que, no tempo, se foram substituindo, até à independência.


Desta Companhia iremos utilizar toda a informação e actividade, uma vez que na nossa História da Unidade, como é óbvio, só temos a informação operacional enquanto esta unidade esteve connoco.


Desde já o nosso obrigado, pela informação e por toda a operacionalidade e perigos que comumente passamos nesse período. 

HISTÓRIA DA CART 1742

Tudo começou aqui ...

A cidade de Penafiel, no distrito do Porto era detentora de unidade militar denominada Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5 (RAL 5) e ali já se encontravam duas companhias cujos soldados recebiam formação correspondente àquilo a que se chamava especialidade.

Depois da Ordem de Mobilização a formação da Companhia de Artilharia (Cart) 1742 não se fez esperar.


Corria, então, o mês de Abril de 1967 e todos sabiam que o destino  era a Província da Guiné, algures na África Equatorial ...

Uma mobilização para a Guiné significava terror, pois dizia-se na altura que a Guiné era o "Vietname Português"; logo, maior castigo para os jovens de então, não poderia haver, na medida em que o risco de regresso era uma grandeza incerta. 
Não admirava, pois, que entre nós surgissem os mais variados comentários, muito embora aceitássemos "pacificamente" a imposição do serviço militar obrigatório e tudo o que lhe estava subjacente.
Mas não admirava que assim fosse, pois a educação nacionalista a que fomos sujeitos, tanto em casa como na escola, acrescida de uma cultura ou mesmo ignorância política transformava-nos em cidadãos pouco esclarecidos e consequentemente mais submissos.

Como a maior parte dos elementos que integravam a Companhia já se encontravam em Penafiel, aos poucos foram chegando outros, designadamente Cabos Milicianos, que iriam completar os respectivos pelotões. A estes, juntaram-se igualmente os Quadros Administrativos, pessoal do sector de enfermagem, de transmissões e da cozinha.


... A princípio a "guerra" não passou de uma "brincadeira" feita nos montes que rodeavam a cidade, pese embora o interesse nas aprendizagens e o sentido de responsabilidade sobre tudo quanto respeitava a técnicas de guerra subversiva.

Por isso o mês de Maio foi intenso na preparação técnica e física e ... também ... psicológica, a ponto de muitos de nós terem escondido a data de embarque ...
Aos poucos ia-se tomando conhecimento de situações que poderiam vir a acontecer, ainda que posteriormente viéssemos a verificar que a realidade prática era bem diferente.
Fosse como fosse, também ficou comprovado " a la longue" que o que se aprendeu foi de grande utilidade.

Mas ...

Quando a vinte e dois de Julho de 1967 o navio "Timor" largou as calmas águas do rio Tejo e serenamente sulcava as profundezas e a imensidão do Atlântico, deixando para trás as lágrimas e os gritos de dor e aflição dos familiares e amigos que no cais de embarque, junto ao Tejo, se despediam da rapaziada, o pensamento já era outro e a vontade e a esperança no regresso, passou a fazer parte do dia a dia ...



Os cinco dias de viagem mostraram-nos a beleza do universo marítimo, nos variados tons de azul das águas atlânticas, da espuma de sal a flor das ondas revoltas, da variedade de peixes e nos bailados acrobáticos dos golfinhos que de quando em vez surgiam a acompanhar a rota seguida pelo navio.


Encantador, também, o azul do céu carregado de estrelas ou o entardecer coado a negro com a proximidade da noite, depois de um por do sol esplendoroso que pintava nas escuras águas do oceano uma cor forte de fogo que o horizonte absorvia com suavidade e ternura.


Encantadora foi também a visibilidade da trovoada instalada ao longe, com os raios a riscarem os céus em impressionantes ziguezagues, que se faziam reflectir na imensidão do mar, dando-lhe uma cor e uma luz de rara beleza.
Porém, nem tudo era agradável, na medida em que os soldados, instalados em piso inferior, sofriam no corpo e na alma os efeitos do balouçar do navio e também do calor e da humidade que, com o aproximar da linha do Equador, agravava a situação e tornava insuportáveis as horas e ... muito longos ... os dias ...

Para muitos, começava aqui uma vida agoniante, dolorosa, a ponto, talvez, de ainda sentirem o cheiro azedo motivado por indesposições e enjôos...


Até alguns dos bem instalados, porque mais sensíveis, sentiram na pele amargos de boca que os deixavam desfalecidos e terrivelmente agoniados e ansiosos.



Cidade desconhecida, Bissau recebeu-nos com simpatia e surpreendeu-nos com o traçado moderno das suas largas e rectilíneas e pela novidade de uma temperatura muito elevada e húmida, transmitindo-nos o característico cheiro mítico da terra africana, deixando perceber o movimento social, a alegria, a preocupação, e até alguma nostalgia da população residente.
No íntimo de cada personagem morava a certeza da guerra de guerrilha e a incerteza das suas consequências...

A cidade de Bissau acolheu-nos durante algumas semanas, durante as quais nos habituámos aos comentários que corriam pelas ruas e cafés, originados pelos que, vindos do mato iam fazendo chegar novidades; outros saíam da boca de quem nunca saiu do aconchego da cidade, mas que sabiam mais de guerra do que os operacionais. 
"Engolimos" uma mão cheia de histórias, mas apercebemos-nos da realidade que se vivia no Hospital Militar e se estendia até às câmaras da morgue...


Antecipada pela subida do rio Gebaaté Bambadinca, numa viagem incómoda, feita no escuro da madrugada, a chegada a Nova Lamego (GABÚ) marcou o início da segunda etapa da nossa presença na Guiné.

Nova Lamego situava-se no planalto de Gabú e era dos únicos (ou mesmo o único) centro urbano localizado na zona interior da província, ainda que distasse de Bafatá algumas dezenas de kilómetros. 
A população vivia essencialmente de uma agricultura de subsistência onde predominava a cultura da mandioca e da batata doce, já que a produção de arroz e amendoim era quase na sua totalidade usada como produto para exportação.


A produção de gado bovino, caprino e suíno também aparecia em quase toda a zona envolvente.
Nesta localidade estava instalado um batalhão, cujas Companhias se encontravam estacionadas nos aquartelamentos dos arredores separados por alguns kilómetros.

Para além do Batalhão, estava aquartelada em instalações próximas uma Companhia chamada de intervenção em regra uma Companhia independente que, sem pertencer ao Batalhão, a ele era agregada para operar em toda a zona).

Dizia-se na altura que o PAIGC tinha como objectivo dominar o Norte e Leste da província, pelo que Nova Lamego era um dos pontos operacionais de risco, mas estratégicamenre muito importante.

Não causava admiração, por isso, que o "inimigo" flagelasse com alguma assiduidade os aquartelamentos onde estavam estacionadas as Companhias pertencentes ao referido Batalhão.

Chegados a Nova Lamego, logo deparámos com o edifício principal onde estavam instalados os Serviços de Administração Local e também a Polícia Administrativa (Cipaios), referenciados pela sua farda de cor amarelo-torrado.

... Outros edifícios sobressaiam, como aquele onde se instalava parte de um Batalhão Militar e ainda aqueles que foram destinados à nossa Companhia.


Em Nova Lamego havia algumas casas de comércio, exploradas, sobretudo, por libaneses, portugueses da Metrópole e naturais da Guiné. 


A venda de roupa, serviços de alfaiataria e
costura era a nota predominante, se bem que a venda de bebidas (café) fosse trabalho para uns quantos.

Juntava-se a isto um mercado típico, onde as pessoas compravam, sobretudo, produtos agrícolas.

Embora se notasse a existência de casas idênticas às de qualquer parte do mundo, a predominância eram as habitações indígenas que por cá se chamavam "Tabancas", que eram construções de forma cónica, encimadas por capim que lhes servia de tecto e telhado.

Sem dúvida que Nova Lamego era um centro de comércio onde afluía muita gente mesmo vinda do Senegal e da República da Guiné (Conacri)


Como Companhia Independente, a nossa presença em Nova Lamego era a de Companhia de Intervenção; o que na prática significava total disponibilidade para o envolvimento em patrulhamentos, operações militares de pequena ou grande envergadura, apoio a outras Companhias instaladas nas redondezas e quaisquer outros serviços que fossem solicitados ...
Fazíamos, por isso, um trabalho de vigilância contínua e permanente da zona ...

Todos os direitos reservados dos autores  Texto e fotos "História da Cart 1742"

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