Agradecemos a gentileza de ABEL SANTOS (ex-soldado Atirador da Cart 1742 - "Os Panteras", - Nova Lamego e Buruntuma 1967/1969), assim como ao Blogue de Luis Graça, a possibilidade de contar a História da Cart 1742 que foi elaborada por Alberto Alves, um dos Panteras, em Maio de 2007, para ser distribuída pelos camaradas presentes num dos Encontros desta Unidade.
Para nós administradores do Blogue do Bart 2857, que esteve no Sector Leste L-4, com sede em Piche de Novembro de 1968 a Outubro de 1970, é uma honra.
Assim que tomamos a responsabilidade do sector e nos instalamos, esta Companhia, sediada em Buruntuma, passou a ficar sob a responsabilidade operacional deste Batalhão.
Um dos dos objectivos deste Blogue é, não só, contar toda a actividade operacional, nesse período deste Batalhão, assim como de todas as Companhia Independentes ou unidades de Intervenção que connosco conviveu e nos ajudou a controlar o Sector em termos operacionais.
Além do mais, procuramos relatar a operacionalidade de todas as outras Unidades que, no tempo, se foram substituindo, até à independência.
Desta Companhia iremos utilizar toda a informação e actividade, uma vez que na nossa História da Unidade, como é óbvio, só temos a informação operacional enquanto esta unidade esteve connoco.
Desde já o nosso obrigado, pela informação e por toda a operacionalidade e perigos que comumente passamos nesse período.
HISTÓRIA DA CART 1742
... Nessa medida, começaram a ser constantes as "viagens" pelas picadas ladeadas de capim alto, pelas bolanhas (terras alagadiças) ou pelo interior da mata densa, misteriosa e perigosa.
Umas vezes (a grande maioria das vezes) a caminhar, outras utilizando as viaturas, lá íamos cumprindo o nosso papel, sempre com a cautela e a atenção próprias de cada momento e a responsabilidade o exigia, mas sempre esperançados de que as coisas iriam correr pelo melhor...
A época das chuvas era a mais delicada; as vias de comunicação (picadas) ficavam alagadas e tornava muito difícil o curso das viaturas que constantemente ficavam atoladas e inviabilizavam a "picagem" dos acessos na procura de uma qualquer mina anti-carro.
A par disto, também as caminhadas se tornavam complicadas pelo efeito das chuvas e pelo alagadiço do terreno onde o capim começava a crescer.
Era necessário uma boa condição física e uma moral forte.
... Mesmo assim, o Natal de 1967 haveria de constituir já uma marca de grande amargura, na medida em que dois dos nossos companheiros tinham deixado o mundo dos vivos: o Neto, vítima de uma mina anti-pessoal quando num patrulhamento normal e já no declinar do dia preparava o local para passar a noite; e o Sousa, morto em combate na difícil e complicada operação militar feita em Sinchã Jobel em plena mata do Cantanhez, em 19 de Dezembro daquele ano de 1967.
Aqui no Cantanhez existia uma base estratégica do "inimigo", que servia de apoio às intervenções militares que operavam e era também uma base de treino político e militar.
O ataque que então fizemos a esta base não correu bem, pois de um momento para o outro fomos envolvidos e tivemos que proceder à retirada de uma situação bastante complicada e aflitiva. Ainda hoje não sei como não sofremos um maior número de baixas, pois fomos apanhados no meio de tiroteio intenso ao longo de uma bolanha que parecia não ter fim.
Para além do Sousa outros sete companheiros de outra Companhia e, de entre eles, um alferes (que festejava o seu aniversário natalício), completaram a lista e o balanço trágico de mortos, naquela que foi, talvez, a operação militar mais complicada...
Sim ...
Porque se juntarmos a isso o efeito psicológico dos que andaram perdidos e as preocupações e a ansiedade de todos quantos estiveram envolvidos nos trabalhos inerentes à sua procura e recuperação ...
... Para não comentar que alguns dos que estiveram envolvidos neste trabalho, de entre os quais o nosso capitão, caíram na zona de morte de uma emboscada que nos foi montada, mas que felizmente (não sei bem porquê) não funcionou ...
Não refeitos desta tristeza, voltaríamos a estar envolvidos numa emboscada nocturna, cujos resultados se cifraram em grande número de feridos, alguns com certa gravidade e a necessitarem de evacuação, para além de um desaparecido ...
O palco desta acção foi o Monte Siai - uma pequena elevação de terreno situada a Este de Nova Lamego - no dia 11 de Janeiro de 1968.
O dia seguinte ficaria ainda marcado pelas mortes do Major Pedras e do Furriel Miliciano de Engenharia, Jorge, vítimas de minas anti-carro e anti-pessoal. Estes dois companheiros iam fazer uma inspecção à jangada que se encontrava no rio Corubal, no destacamento do Cheche e que servia para a travessia do rio, do pessoal e das viaturas, aquando das colunas de reabastecimentos aos aquartelamentos de Béli e Madina do Boé, nas colinas do Boé.
Pitche, Pirada, Canquelifá, Cheche, Camajabá, Caium, Canjadude, Cabuca e respectivas zonas envolventes eram destinos várias vezes cumpridos em patrulhas normais, feitas a nível de um ou dois grupos de combate (cada grupo de combate era constituído por três secções de oito homens; o armamento que equipava cada grupo de combate constava de um morteiro 60, uma bazuca e uma metralhadora pesada (MG), cabendo a cada um dos elementos do grupo o transporte das respectivas granadas e fitas com projecteis para a metralhadora; além disso cada homem carregava a sua G3 e vários carregadores e, quando a situação o recomendava, mais uns sacos de munições para a respectiva arma. Quando nos percursos efectuados se usavam viaturas, estas transportavam alguns cunhetes de munições de toda a espécie).
As colunas de reabastecimento a Beli e a Madina eram sempre encaradas com grande rigidez e até preocupação. Até porque, só eram possíveis com apoio aéreo constante, feito pelos bombardeiros, vulgo T6. A zona do Boé era controlada pelo convencionado "inimigo" que ali dominava e tinha o seu Quartel General. Foi ali mesmo que o PAIGC proclamou a independência da Guiné em 23 de Setembro de 1973, doze dias depois da morte de Amilcar Cabral.
Sempre tivemos sorte, pois nunca fomos incomodados, apesar de uma das vezes a travessia do rio Corubal não ter corrido pelo melhor... e da segunda vez que fomos a Béli sofremos um enorme ataque (que nos retardou a marcha em cerca de uma hora) feito por milhares de abelhas selvagens que provocaram estragos em muitos rostos e outras partes do corpo. Houve companheiros que ficaram com a cara irreconhecível de tão inchada.
Há medida que o tempo decorria, aumentavam os níveis de ansiedade, notando-se mesmo algumas perturbações do foro psicológico, principalmente naqueles que já tinham muito mais tempo de Guiné do que nós. Na realidade a pressão da guerra e as incertezas que ela transmitia eram a causa primeira; se a isto juntarmos muitos momentos de solidão causados pela ausência da família e pela distância de casa mais o clima quente e muito húmido próprio das localidades próximas da linha do Equador, nada estranhava que acontecessem aquele tipo de perturbações mentais. Era realmente necessário ser-se forte de corpo e alma e tentar encarar todas as situações com grandes doses de fé e de esperança.
Por isso é que a hora do "correio" era sempre esperada com grande entusiasmo e alegria e, também, com alguma ansiedade, pois até nestas alturas havia a incerteza da chegada de notícias dos que nos eram mais chegados e queridos, se bem que as notícias tinham sempre algum tempo de atraso em relação aos dias em que eram recebidas.
Por isso é que ... se uns se alegravam com a chegada da carta ou do aerograma, para outros a decepção das mãos vazias pela falta de notícias era sinónimo de grande tristeza e até preocupação... Vivia-se muitas vezes, apenas e só, com o eco daquela palavra de magia: Correiiiooo...
As campanhas em África compreendiam duas situações: uma primeira destinada a uma intervenção activa, bastante operacional e por isso mesmo muito desgastante, quer física quer psicologicamente; este período ocupava os primeiros oito a nove meses. A outra situação a que vulgarmente chamávamos de descanso, permitia que as Companhias se instalassem em determinado aquartelamento e a partir daí desenvolvessem algumas operações, mais concretamente o patrulhamento da zona envolvente.
Naturalmente que esta segunda situação se tornava mais relaxante, apesar de se permanecer em constante vigília e atenção, pois sossego, sossego, não existia.
Todos ansiavam, pois, que os primeiros tempos passassem rápido e sem grandes sobressaltos.
O tempo em que permanecemos operacionais foi, de facto, muito cansativo, apesar de termos bastante sorte no que respeita a contactos com o convencionado "inimigo". Durante esse tempo tivemos duas baixas, mas sempre que éramos chamados para a intervenção, os corações batiam apressadamente pois sempre nos esperava o desconhecido e em qualquer momento podia surgir a emboscada ou a surpresa das minas anti-carro e/ou anti-pessoal.
Daí que, quando chegou a notícia e a ordem par que a Companhia se dirigisse para a sua instalação definitiva, sentíssemos um pouco mais de alívio.